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Zanardo e Kulikyrda Mehinako falam sobre presença indígena na arquitetura

Nesta sexta (19), o paisagista Luciano Zanardo e o designer indígena Kulikyrda Mehinako irão debater "A força da arte indígena" no talk da CASACOR São Paulo

Por Maria Fernanda Barros
Atualizado em 19 jul 2024, 10h24 - Publicado em 18 jul 2024, 15h29
Zanardo Paisagismo - Praça Tekohá. Projeto da CASACOR São Paulo 2024.
Zanardo Paisagismo – Praça Tekohá. Projeto da CASACOR São Paulo 2024. (Bia Nauiack/CASACOR)

“O lugar onde somos o que somos”: é esse o significado de “Tekohá”, termo da filosofia guarani que dá nome ao projeto do paisagista Luciano Zanardo para a CASACOR São Paulo 2024. Mas, na Praça Tekohá, o povo guarani não é o único a ter suas tradições honradas no ambiente proposto por Zanardo: o povo Mehinako, localizado no Território Indígena do Xingu, no Mato Grosso, foi representado pelos bancos zoomorfos produzidos pelo designer Kulikyrda Stive Mehinako.

Com formas inspiradas na fauna do Xingu, as peças desenhadas por Kulikyrda foram confeccionadas a partir do grafismo corporal dos povos Mehinako e destacam a riqueza e a complexidade da arte indígena brasileira no espaço projetado por Zanardo. A dupla pretende aprofundar esse debate no talk que acontecerá nesta sexta-feira (19/07), às 11h, no espaço Praça Tekohá da CASACOR São Paulo 2024.

Luciano Zanardo e Kulikyrda Mehinako
Luciano Zanardo e Kulikyrda Mehinako. (Divulgação/CASACOR)

“A força da arte indígena”  é o tema do bate-papo entre Zanardo e Kulikyrda, que foram entrevistados pelo editorial da CASACOR para explicar um pouco mais sobre o assunto. Confira:

Zanardo, como um veterano da CASACOR São Paulo, você sempre buscou levantar a temática da consciência ambiental nos seus projetos. O que você procurou trazer de diferente com a Praça Tekohá?

Zanardo: Para a Praça Tekohá, trouxe de diferente a construção do ambiente a partir de um único material: a madeira.
A madeira é o nosso principal recurso natural renovável. Ela está presente no deck de madeira cumaru certificada, no muxarabi, no lustre do living, que é um galho de cumaru, e em todo o mobiliário da praça, que foi construído a partir de árvores caídas na mata que já cumpriram seu papel na natureza. Além das obras de arte do artista indígena Kulikyrda Mehinako, que foram confeccionadas artesanalmente também em madeira.

Kulikyrda, como está sendo a sua primeira vez expondo o seu trabalho como designer na CASACOR São Paulo?

Kulikyrda: Antes do meu retorno para o Xingu, encontrei com o Luciano, que me explicou o que era a CASACOR e o que era o projeto dele. Eu me coloquei para participar e expor o meu trabalho na Praça Tekohá. Eu não conheci o ambiente do Luciano, agora que estou indo conhecer a Praça Tekohá e ver as minhas peças no espaço dele. Mas eu fico muito feliz em fazer parte desse projeto na CASACOR, as minhas peças estão lá me representando e eu acho que está fazendo muito sucesso, junto das obras de outros artistas. E eu estou recebendo através do Luciano que o pessoal está achando muito lindo e diferente, isso me deixa muito feliz.

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Zanardo, o que inspirou o seu projeto e como ele pode servir de inspiração para a arquitetura e o design de interiores?

Zanardo: A inspiração foi fazer uma homenagem aos povos originários, começando pelo nome da praça. Em guarani, a palavra “Tekohá” quer dizer “o lugar onde somos o que somos”. Tekohá é o lugar físico, incluindo terra, floresta, campos, cursos de água, plantas e remédios, onde o modo de vida dos povos indígenas se desenvolve. O projeto é um exemplo de biofilia para todos os profissionais da arquitetura e design de interiores.

Kulikyrda, como foram feitas as suas peças que estão expostas nas mostras? E de que forma elas carregam a sua ancestralidade?

Kulikyrda: Todas as minhas peças foram feitas aqui na aldeia. Eu saí da minha aldeia, fui na floresta e escolhi uma madeira especial para fazer os bancos, que é a madeira piranheira, que é sucupira, uma madeira boa, dura. Eu escolhi todos os animais da nossa região, aqui de Mato Grosso: a onça, o sapo, a águia, o macaco e o tamanduá. É algo que faz parte da nossa cultura também. Comecei a esculpir lá na floresta mesmo, até ficarem em forma de animais. Depois eu carreguei no ombro, levei até a estrada para transportar no carro até a aldeia. Na aldeia, eu comecei a lixar tudo, passei óleo de gueiroba e no outro dia comecei fazer a pintura. A pintura que eu usei é a pintura do meu povo Mehinako, é o nosso grafismo. Esses grafismos nas minhas peças carregam a nossa ancestralidade, representando o povo do Xingu.

Zanardo, como a parceria entre você e o Kulikyrda se conecta com o tema do seu projeto para a CASACOR São Paulo 2024?

Zanardo: A minha parceria com o Kulikyrda foi um encontro maravilhoso do destino. Eu já estava com o projeto pronto e todas as parcerias fechadas mas eu estava em busca de algo especial. Fui visitar a SP–Arte 2024 no penúltimo dia e lá conheci esse artista admirável. As obras do Kulikyrda representam a ancestralidade do seu povo, e isso se conecta muito ao meu projeto da CASACOR São Paulo.

Kulikyrda, como você descreveria a importância da arte do povo Mehinako para o design brasileiro?

Kulikyrda: A arte Mehinako é uma essência do design brasileiro, porque nós já fazíamos isso. Aprendemos isso sozinhos. Ela nos mostra a força do design brasileiro, a criatividade, a sustentabilidade, a riqueza da nossa natureza, do nosso redor e mostra o que é possível fazer de maneira responsável. O banco para nós é o assento para sentar em cima, mas para a sociedade não-indígena, ele pode ser utilizado como mesa, como uma forma de decoração, a depender de como a pessoa vai querer decorar a casa com as nossas artes. Isso é importante para nós. Isso é muito importante para o povo Mehinako: fazer parte da decoração de móveis.

Como a sociedade pode abrir mais espaço para a produção de artistas indígenas e comunidades tradicionais?

Zanardo: Na minha opinião, falta o reconhecimento dos artistas indígenas. Os profissionais precisam conhecer mais sobre esses artistas e valorizar suas obras em seus projetos.

Kulikyrda: Indígenas têm o direito de ter espaços nas exposições, nos eventos, nas feiras, para que eles levem a sua cultura nos espaços. Tem muitos povos que trabalham fazendo suas obras de arte e tem muitos artistas grandes aqui no Brasil: por que a gente não chega nesse patamar? Nós temos direito também de chegar nesse patamar, somos artistas grandes também. Temos que receber o mesmo valor que os artistas grandes ganham também.

O tema do talk será “A força da arte indígena”. Kulikyrda, o que você pretende trazer nesse bate-papo?

Kulikyrda: A arte indígena vem de muito tempo, da época do meu avô e do meu pai. Vai passando de geração em geração, na época do meus pais, eles comentavam que não tinham valor nem visibilidade. A sociedade não-indígena não sabia o que era a arte indígena, eles achavam que era qualquer coisa. Como na época, os meus pais e avós não dominavam a língua portuguesa, era uma dificuldade explicar a nossa cultura e a história dos objetos que ficam dentro da comunidade. Então, é um momento de contar agora as histórias das nossas artes e cada significado a partir daí.

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